sexta-feira, 25 de julho de 2014

A vida em Salvaterra ( 6 ) - Judeus, Cristãos-novos, Medicina e Inquisição


Na cantaria da ombreira da porta o 105 e a cruz, gravados na pedra,
indicando casa de cristão-novo.
O 105, provavelmente, seria o nº referente a alguma listagem, não é nº de porta!

Por completo desconhecimento, só há cerca de 2 anos fui confrontado com os vestígios da comunidade judaica em Salvaterra do Extremo. O facto é que, segundo parece, os judeus entraram na Península Ibérica com a ocupação romana. Motivos, mais que suficientes, seriam os novos mercados e a existências de riquezas minerais. A mineração era uma das muitas actividades judaicas. Assim, não custa a crer que se tenham fixado nesta zona da Beira Baixa, nomeadamente em Salvaterra do Extremo, conhecida a riqueza do solo, em ouro, prata, estanho e cobre, por exemplo. Ainda hoje se podem observar muitos vestígios da exploração mineira, alguns dos quais bem mais recentes e devidos à exploração do volfrâmio.
Porém, se as minas eram e são de todos conhecidas, o traço físico judaico, como atrás refiro, passou-me, e penso que à grande maioria dos habitantes da terra, totalmente despercebido, embora lá esteja, bem à vista de todos.
É o caso de boa parte das cantarias das entradas das casas, apresentando a pedra granítica de quinas sutadas (não em quina viva) e nalgumas delas, cruzes e um número gravados. Estas cruzes indicariam que os residentes seriam cristãos-novos e o número, deduzo eu que se trataria de número referente a alguma lista (censo) pois que, de certeza, não era número de porta.
Posto isto, não será de admirar que também a esta terra tenham chegado as agruras e tormentos da Inquisição.

De seguida, se relata um caso referente a Salvaterra  do Extremo. 

Em Portugal, desde sempre, quase todos os médicos eram judeus. Perseguidos, também quase sempre, foram um dos muitos alvos da Inquisição.
Em Salvaterra do Extremo há conhecimento dum tal João Nunes, natural de Idanha-a-Nova, filho de Manuel Antunes, “o Papudo”, barbeiro, e de Antónia Nunes. Era boticário, solteiro, de cerca de 37 anos e foi preso no dia 10 de Novembro de 1750, por judaísmo. Por sentença de 14/02/1755, foi mandado tratar no Hospital de Todos os Santos e entregue aos parentes, por não ter capacidade para estar em juízo. A verdade, porém, é que vários membros da família também já estavam presos, designadamente os seus pais e os tios Álvaro Rodrigues e Leonor Nunes. (Tal como consta do processo nº 5173 da Inquisição de Lisboa, existente no Arquivo da Torre do Tombo).

Nota do autor do blog: 
No meio de todos estes azares, o infeliz boticário, se ainda sobreviveu muito tempo, lá teve a sorte de já não estar no Hospital de Todos os Santos no dia 1 de Novembro! A não ser que aqui se aplicasse a máxima "mais vale a morte que tal sorte"!

Auto de fé, no Terreiro do Paço, em Lisboa.
(retirado da wikipédia)

Bibliografia:
Joaquim Candeias da Silva, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 15, Nov.2001

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A vida em Salvaterra ( 5 ) - Mezinhas e curandices !


Informação aos leitores mais sensíveis:
Este "post" contém matéria que, embora verdadeira, poderá repugnar a quem a ler! Aqui fico o aviso!

( retirado de lavioletera.com.br)

Práticas Etnomedicinais (Medicina popular). Mezinhas e curandices

Baseados na obra de Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, podemos tomar conhecimento de algumas práticas etnomedicinais, vulgo medicina popular. Enunciamos as doenças e as curas que, embora podendo variar de terra para terra, mantêm dum modo geral os seus princípios. Assim, em Idanha-a-Nova, o tresorelho cura-se com enxúrdia de galinha e para curar impingens esfregam-se estas com um dedo molhado em saliva; em Vale do Lobo (Penamacor), a furunculose cura-se com sopas de cobra e as feridas curam-se colocando sobre elas teias de aranha; em Teixoso (Covilhã), cura-se a loucura colocando sobre a cabeça do louco, em forma de capacete, um cachorro ou cão pequeno, aberto ao meio, de modo a que o sangue escorra pelo rosto; no Ladoeiro (Idanha-a-Nova), cura-se a icterícia, por muito crónica que seja, com um cozimento de piolhos da cabeça humana, enquanto em Idanha-a-Nova, para o mesmo efeito usam deitar os piolhos vivos dentro de um ovo bebendo-o em seguida; em Segura (Idanha-a-Nova) para que os tumores ou abcessos venham à supuração aplica-se-lhes um emplastro de excremento humano; ainda em Idanha-a-Nova, as feridas curam-se urinando-lhes em cima e a febre desaparece bebendo urina; em Benquerença (Penamacor), no dia em que dão as maleitas, chá feito com urina de rapariga virgem, posto à geada e bebido nesse dia, cura-as; no Ladoeiro (Idanha-a-Nova), as enxaquecas e as cefaleias curam-se com o sarro do fundo dos penicos pouco limpos, colocando em panos, sobre a testa do paciente.
O uso de excrementos e urina não é tão invulgar assim, sendo referenciado já na Antiguidade. E embora sejam práticas ancestrais e caindo em desuso, no séc. XVIII há alguém que crê que a urina do mancebo sem barba é útil aos estigmáticos, cura a sarna, resolve os tumores e impede a gangrena. A do homem casado, quando bebida pela mulher, facilita o parto e actua contra a mordedura de cobra. Quanto ao uso dos excrementos sólidos, diz que o esterco é de grande uso para tirar as dores de encanto, para madurar os antrazes pestilentos e para curar a angina. O esterco de menino lactante, reduzido a pó, erradica a epilepsia muitos dias. A água do esterco humano cura as unhas dos olhos, e todos os vícios da tonisa adnata, lançando neles umas gotas, aviva as cores do rosto, produz cabelos, cura as chagas corrosivas e as fístulas, desfaz os sinais das cicatrizes. Interiormente tomado acode à epilepsia e hidropsia, expulsa as pedras dos rins, a tinha, a erisipela exulcerada e os alfectos cutâneos untando a parte, mitiga as dores da gota, mortifica o cancro e cura a icterícia.
Já bem no 2º quartel do século XX assinala-se um caso de utilização de excrementos de vaca, para fins curativos. Tal prática teve lugar em Oledo (Idanha-a-Nova) e o relato é o que segue. Uma menina de dois anos de idade estava sentada de costas para a lareira, fez balanço com o banco e caiu de costas no lume. Levantou-se a chorar mas já com as nádegas assadas e com as brasas agarradas ao rabinho. Era domingo, não havia médico e a farmácia não era perto, perante o choro da criança e desespero da mãe, uma velhota alvitrou que se lhe pusesse bosta de vaca em cima da queimadura e quanto mais depressa melhor. A mãe, desesperada, não pensou duas vezes. Foi buscar a bosta que envolveu numa fralda quente e colocou no rabinho. A criança chorou mas depois sossegou e adormeceu. Regressou o marido, da farmácia, com uma pomada mas já não foi utilizada. No dia seguinte, foi ao médico, explicou o tratamento que tinha feito e o médico disse-lhe para continuar a fazer o mesmo, cuidando sempre de alguma higiene. Passado pouco tempo estava boa e sem cicatrizes.
Em Salvaterra do Extremo práticas normais, eram em pleno séc. XX e talvez ainda sejam, algumas que a seguir se enunciam.
Para curar feridas (estancar o sangue), usava-se raspa do chapéu de homem, cinza de cigarro ou do borralho e açúcar, além das teias de aranha.
Para a dor de barriga e prisão de ventre, azeite onde se fritaram alhos, ainda com alguma quentura e espalhado, na barriga, com a mão.
Para a prisão de ventre, um talo de couve untado com azeite, utilizado qual supositório.
Para baixar a febre, um pano com vinagre, na testa e nos pulsos.

O uso de plantas na alimentação, como condimento, e no tratamento de doenças, também em Salvaterra era comum e nos seus campos elas abundam.
Seguidamente se enumeram algumas delas:

Hortelã brava, ou mentrasto ( Mentha maveolus Ehrh.)
Pertence à família das labíadas. Usa-se em culinária e em medicamentos caseiros. Devido ao mentol que possui, é um bom desinfectante das vias respiratórias. A cultura faz-se de Abril a Outubro.

Poejo (Menthapulegium L.)
Pertence à família das labíadas. Usa-se em culinária e em medicamentos caseiros. É um condimento (o gaspacho não o dispensa), um tónico digestivo e emenagogo e emprega-se em saboaria. A cultura faz-se de Maio a Agosto.
(retirado de .http://auren.blogs.sapo.pt)

Urtigão, ou urtiga-maior (Urtiga dioica L)
Pertence à família das urticáceas. Planta muito acreditada como revulsivo e anti-reumatismal de uso externo. Colhem-se as folhas no Verão.
(retirado de www.plantasquecuram.com.br)
Amor perfeito bravo (Viola arvensis Murray)
Pertence à família das violáceas. É empregado com peitoral, expectorante, emoliente, béquico e diaforético. Serve para doenças da pele, prisão de ventre e reumatismo. Desenvolve-se de Março a Junho.
(retirado de www.obotanicoaprendiznaterradosespantos.blogspot.pt)
Coentrinho (Geranium dissectum L.)
Pertence à família das geraniáceas. Como infusão forte, serve para gargarejos e como infusão fraca, tem utilização no caso de cistite, catarro pulmonar crónico e enterite crónica. Desenvolve-se de Março a Julho.

Orégão (Origanum vulgare L.)
Pertence à família das labíadas. Usa-se como condimento e como terapêutico (excitante carminativo e vulvenário). Colhe-se em Junho e Julho quando a planta se encontra florida. Das folhas secas, pode fazer-se chá. Utilizado para aplicações de uso externo, contra o reumatismo e de uso interno, no tratamento da tosse, da asma, digestões difíceis e anemias.

(Nota: As gravuras, onde não indicado, foram retiradas da wikipédia.)

Bibliografia:

Maria João Guardado Moreira, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 7, Nov.1993


sexta-feira, 11 de julho de 2014

A vida em Salvaterra ( 4 ) - Meados do séc. XX




Por sobre o casario, o reservatório para abastecimento de água à povoação.
Construído já nos anos 70 do séc. XX.

A vida quotidiana em Salvaterra do Extremo, em meados do século XX

Sobre a vida em Salvaterra do Extremo, socorremo-nos do Livro do Posto de Despiolhagem e Desinfecção, de Penha Garcia, Monfortinho, Salvaterra do Extremo e São Miguel de Acha que se encontra no Arquivo da Misericórdia de Idanha-a-Nova.
Não é completamente verdadeira a ideia de que as famílias eram muito numerosas, mas eram efectivamente uma parte muito significativa. Talvez só um pouco mais de 20% tinha quatro ou mais filhos.
Rara era a família a quem não morria um ou mais filhos, devido a más colheitas, aos calores ou epidemias. Havia mulheres que nem despiam o luto, fosse por familiar, vizinho ou amigo. Falta de médicos e medicamentos, pouca higiene e má alimentação estavam na origem de doenças como a varíola (bexigas doidas), sarna (tinha), sezões (maleitas), tifo ou doenças de pele que muitas das vezes conduziam à morte.
Portanto à alta natalidade corresponde uma alta mortalidade, sendo esta maior na infância, onde o sarampo e a desidratação matam com frequência.
No que respeita ao vestuário, este era pouco e, de ordinário, resumia-se a saiote, saia, corpete, blusa, camisa e o lenço, dobrado em três e atado pelo cimo da cabeça, ao queixo ou de outro modo, no caso das mulheres. Os homens vestiam, calças, casaco, camisa, ceroulas, colete e chapéu. As crianças usavam um macaco de perna curta e sem mangas, com abertura atrás e à frente para que as necessidades fisiológicas fossem feitas sem problemas e com menos trabalho para as mães. Isto quando não andavam nuas ou, como se dizia, “encouras” ( de em couro ).
O lenço era a peça que mais se identificava com a pessoa que o usava. Onde quer que estivesse, era sempre usado pela mulher. Na rua, no trabalho, na festa ou em casa. O modo como era atado e colocado, assim como o desenho e a cor, variava conforme a mulher era casada, solteira, viúva, tímida ou brincalhona.
O xaile é peça usada pela mulher que já é mãe, é quente para o filhinho e pela sua resistência passa de geração em geração. Da avó para a mãe e, muitas vezes, desta para filha. É negro e, na viúva, tapa o frio e a tristeza.
Quanto ao calçado, normalmente só quando chegavam à idade adulta e já pareceria mal andar descalço, e se havia alguns “cobres”, o sapateiro lhes fazia uns pesados sapatos, botas ou tamancos a partir de moldes que possuía.

A habitação, na maioria, não excede os 30 m2 e os 4 metros de altura. No máximo 4 compartimentos e as paredes, por vezes, em taipa e normalmente uma janela, havendo casos de nenhuma e também não muitos com duas. Normalmente também é só de um piso e uma só porta para o exterior. O 1º andar, se o havia, era assoalhado e o piso térreo em lajes, bosteada nas uniões das mesmas. Para bostear diluía-se a bosta de vaca (“bosta santa”) em água e vassourava-se o chão, ficando este brilhante como o ouro e com um bom cheiro a lavado! Na Páscoa era época de limpeza geral da casa, do corpo, da alma e da aldeia, por isso havia que preparar a casa para receber a visita do padre para dar as “Boas Festas”.
A regra é as casas só terem uma cama que é a do casal. Por vezes há outra para os filhos e filhas, enquanto pequenitos, se arrumarem uns para cima outros para baixo, qual sardinha em lata. Quando maiorzitos, os filhos vão para o palheiro onde, depois de despidos se metem nus no meio da palha que os aquece e enxuga. Não muito longe de Salvaterra do Extremo, em Penha Garcia, a média por cama era de 9 pessoas!
Algumas casas, têm quintal e, ou, estrumeira, grande parte tem palheiro e animais em casa. Porcos, vacas e burros são igualmente vulgares. (Em Salvaterra, os porcos estavam, dum modo geral, em furdas, fora da zona habitacional. É conhecido o complexo de furdas desta terra!)

Uma furda!
No respeitante a higiene, embora as casas se apresentassem limpas, esta era muito pouca. Não era hábito lavar as mãos antes de comer ou tomar banho mais que uma vez por ano. Dormia-se com a roupa do dia e, no dia seguinte, ia-se trabalhar com a mesma. Não havia retretes nem casas de banho.
Os despejos, fezes, urina e águas sujas, eram lançados na rua, tal como o lixo. Só as chuvas de Inverno lavavam tudo.

A alimentação era má, essencialmente vegetal e pão, de trigo ou centeio, conforme as posses e a abundância. Em época de crise até pão de farelo se comia. O pão é o “pãozinho de Deus” e ninguém concebe colocá-lo de costas no cesto ou não o beijar quando se apanha do chão onde caiu.
A maioria da população come caldo, uma sopa de vegetais temperada com sal e um pedaço de toucinho ou farinheira. O tempero com azeite era escasso.
De manhã (almoço), um caldo, à noite (ceia), um caldo, com um pedaço de toucinho, farinheira, um terço de sardinha, ou nada. Quando se ia trabalhar levava-se a merenda, pão, azeitonas ou azeitonas e pão com toucinho ou enchido, davam para jantar e merenda. Rancho melhorado, só nos domingos, festas ou dias santos e era se a bolsa permitia! Nesses dias podia haver, carne do talho ou da salgadeira, normalmente de porco. Mesmo o que se criava, muitas das vezes não se comia. Era para vender! Um almoço, no domingo, podia ter sopa de feijão catarino, seguido do mesmo feijão, cozido e regado com um fio de azeite. Vinho, quase só na taberna! Directamente da natureza vinham, alguns cogumelos (os tortulhos), as amoras, bolotas de azinheira e os figos de pita (figos chumbos), tudo para ajudar a completar a parca alimentação. Carne de caça só para quem tinha posses ou arma. Peixe, só do rio, bogas, bordalos, barbos, enguias, cumbas ou trutas, mas pouco. À sardinha e ao bacalhau só alguns chegavam!

A população é, dum modo geral, jovem. Em 1944, a grande maioria está entre os 20 e os 64 anos. Também muito mais de metade trabalha na agricultura (jornaleiros)

Tudo o que ficou dito, só prova a espantosa capacidade de gestão da riqueza (se a isto se pode chamar riqueza), do espaço e do tempo, que tinham as pessoas desta época!

Bibliografia:

Maria João Guardado Moreira, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 7, Nov.1993






sexta-feira, 4 de julho de 2014

A vida em Salvaterra ( 3 ) ! A população, no período (1860-1910) !


A igreja de Santa Maria, fortemente ligada aos nados, casados e falecidos em Salvaterra do Extremo,
bem como lugar de fé da população desta terra, julga-se que desde o séc. XV

A população de Salvaterra do Extremo no período (1860-1910)

Socorrendo-nos de um trabalho feito sobre o concelho de Idanha-a-Nova, poderemos dizer algo sobre Salvaterra do Extremo.
Assim, historiando um pouco, a legislação saída da República, logo em 1910, obrigava os párocos a entregar todos os Livros de Registos de Baptizados, Casamentos e Óbitos, nos registos civis da área. Face a esta situação os bispos ordenaram aos párocos uma rápida cópia-resumo dos mesmos livros, originando então os Livros de Extractos de Registo de Baptismos, Casamentos, Óbitos e dos Expostos
E é com este tipo de fontes que poderemos ter uma rápida consulta e um trabalho quantitativo à escala dum Concelho, dum Distrito e mesmo a nível nacional. Estes livros, porém, não são o espelho fiel dos Livros de Registo porque o tempo urgia e, assim apresentam, decerto, erros cometidos não só devido à pressa como também ao trabalho minucioso e cansativo. Algumas paróquias não têm os Livros completos e outras nem sequer os têm. Estas deficiências são mais notadas nos anos de 1910 e 1911, anos conturbados durante os quais o anti-clericalismo foi mais notado. Só em 1919 parece estar tudo normalizado, pois, no dizer do pároco do Ladoeiro, é escrito com satisfação que os dois últimos casamentos civis, que havia na freguesia, tinham sido legalizados.
Da análise dos Livros de Extractos, algumas conclusões se podem tirar e, em relação a Salvaterra do Extremo, assumir que os valores encontrados para o concelho de Idanha-a-Nova, não serão muito diferente para esta sua freguesia.

Verificamos, então, uma taxa de natalidade rondando os 40 nados/1000 habitantes e uma taxa de mortalidade variando entre os 20 e os 39 mortos/1000 habitantes. Valores estes que, na Europa, se situarão na 5ª posição, atrás da Rússia, Hungria, Espanha e Itália ou Grécia (estes três, países mediterrânicos). Verifica-se também que há uma relação directa entre a natalidade e a mortalidade. Ao aumento da natalidade, corresponde um aumento da mortalidade.

Quanto à taxa de nupcialidade (casamentos), os valores parecem andar entre os 15 e os 20 casamentos/1000 habitantes.
Verifica-se também que os dias mais escolhidos para o casamento são a quarta e quinta-feira enquanto terça e a sexta-feira raramente eram utilizados. Porém, a partir de 1885, o sábado começa a ser também bastante escolhido. Explicação para isto, talvez a de que tanto a terça-feira como a sexta-feira são dias aziagos e quanto à escolha do sábado talvez, devido a uma evolução da sociedade, a ideia de colocar a festa mais próxima do domingo, único descanso semanal!
Os meses privilegiados para o casamento vão de Agosto a Outubro, certamente relacionado com o fim dos trabalhos agrícolas, após as ceifas. O mês de Outubro, a partir de 1880-1884, passa a ter uma maior incidência, talvez devido a uma maior ruralização, o que fazia estender o trabalho dos campos até mais tarde. Por outro lado os meses menos escolhidos para o casamento são Fevereiro e Março (meses da Quaresma) e Junho e Julho (meses das ceifas).
Quanto à idade do casamento, considerando o período de 1860 a 1921, admite-se que o mais frequente seja de 25 anos para o homem e 22 para a mulher.
A ancestral pia baptismal da igreja de Santa Maria
Os nascimentos envolvem os filhos legítimos, ilegítimos e os expostos. Assim, no concelho de Idanha-a-Nova, entre 1860 e 1864, 15% dos nascimentos são expostos. Em Salvaterra do Extremo, no período de 1880 a 1889, o número de expostos e de filhos ilegítimos igualam-se e consta que, entre 1870 e 1889, há 14 filhos ilegítimos, sendo que 5 são duma mulher, casada e jornaleira e 2 de uma outra.


Entrada do "Campo da Egualdade"!
Última morada dos habitantes de Salvaterra, a partir de 1905
A mortalidade é elevada, como foi dito atrás. O maior número de óbitos ocorre nas crianças dos 0 aos 2 anos. Os meses com mais óbitos são os de Agosto a Novembro. Tal deve ficar a dever-se à dureza do clima e dos trabalhos e ao desenvolvimento das doenças adquiridas durante o Verão e suas águas. As doenças são muitas, poucos ou nenhuns os remédios e os médicos, além dos quase raros cuidados de higiene e da vivência quase sempre paredes-meias com os animais, domésticos e de pastoreio. Numa situação destas qualquer doença se pode tornar mortal. As mais frequentes eram os carbúnculos, ampolas criadas pelas picadas das moscas dos animais e que eram queimadas com um ferro, na forja do ferreiro, qual marcação de gado. A portugueja, vulgarmente conhecida por urticária, era tratada vestindo a doente com roupa suja, de homem. A sarna, tratava-se untando o corpo do doente com petróleo. Para o sarampo, usava-se embrulhar a criança num cobertor vermelho, durante 5 a 6 dias. O cobertor era de betão e picava horrivelmente. Dizia-se que assim o sarampo saía mais depressa. Para o mau nascido (cancro), dava-se a comer rodelas de toucinho ou pó de sapo; pegava-se no sapo vivo e cozia-se numa panela de barro; o que restava da cozedura moía-se e esse pó era colocado em cima do nascido. Os cobrões, que apareciam no corpo, de homens e mulheres, porque havia passado alguma cobra por cima da roupa quando esta estava a enxugar ao sol, tratavam-se com óleo de trigo apertado a quente sobre a bigorna do ferreiro. Porém, as maiores doenças eram as sezões ou maleitas. Para quebrar estas febres de calor e de frio, bebia-se chá, feito a partir da flor silvestre fel da terra. Apareciam no final do Verão e provocavam grande mortandade, principalmente nas crianças, os anjinhos como o povo lhe chamava.
É claro que a fraca alimentação, à base de vegetais, pão, azeitonas e um naco toucinho, estava na origem da pouca resistência do povo às doenças. As crianças bebiam água dos regatos, comiam fruta ainda verde, suportavam as agruras do clima e bebiam o leite, enfraquecido, das mães. Os costumes também ajudavam, pois enfaixavam-se as crianças em baietas, logo ao nascimento e durante três meses, apertando-as para que a cabeça não pesasse para a frente e ficasse marreca. A criança devia ficar bem rija!

Também se verifica que as mulheres, após os 60 anos, duram mais que os homens.

Bibliografia:

António Maria Romeiro de Carvalho, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 5, Out.1992