segunda-feira, 2 de junho de 2014

A vida em Salvaterra ( 2 ) ! Os expostos, no século XIX (1820 - 1920) !

Após a comemoração, em Portugal, do Dia Mundial da Criança, resolvi colocar este “post”, preparado há algum tempo.
Mau grado tudo o que se diz sobre a protecção da Criança, a verdade é que, quanto a mim, bem pouco se tem feito. Se não, vejamos:
Vem, já dos tempos da Idade Média, o procedimento tendente a acabar (minimizar) com o abandono de crianças. Para isso foram criadas as Rodas que as recebiam e cuidavam durante a infância (em Portugal, seria até aos 7 anos). No entanto muito poucas eram as crianças que resistiam, devido a doenças e à fraca alimentação.
Em Portugal tal procedimento, sob a égide das Misericórdias, financiadas pelas Câmaras municipais, começou cerca do ano 1500. Pina Manique reconheceu oficialmente a instituição da Roda, através de circular de 24 de Maio de 1783, com o objectivo de pôr fim ao infanticídio e ao comércio ilegal de crianças na raia. Diz-se que os espanhóis vinham a Portugal comprá-las, o que é um pouco estranho pois em Salvaterra do Extremo consta que até de Espanha vinham depositar as suas crianças na Roda.
Em meados do século XIX, a Roda caiu em desuso e perdeu importância. No Brasil, só em 1949 (!) tal prática foi abandonada!
Porém, hoje, o “grande avanço da civilização” é a criação de algo a que talvez chamem clínicas e onde já se deposita (sim, que agora ninguém abandona nada) o produto duma qualquer leviana relação. Com todo o conforto, diga-se de passagem, mas sem Pai nem Mãe! O Aldous Huxley não se deve ter lembrado de nada igual. E os países, onde isto se pratica, já não são tão poucos assim. São tudo países altamente “desenvolvidos”, da chamada "linha da frente"!


A "Roda" ... dos tempos modernos! "Babyklappe"

Esperando não ferir muitas susceptibilidades, julgo que este tão “legal” procedimento, não andará muito longe do que se possa chamar uma IVG, pós parto!!!

Criança, sofre!


E aqui está a janelinha que se diz ter sido onde estava
instalada a Roda dos Expostos, em Salvaterra do Extremo

Os expostos, no século XIX (1820-1920)

O termo “exposto” aparece no séc. XVI sendo a “Roda”, oficializada, uma criação do séc. XVIII.
Os expostos, filhos de mães solteiras ou fruto dalguma relação extra conjugal de mulher casada, eram crianças abandonadas, normalmente recém nascidas, deixadas em encruzilhadas, portas de moinhos, capelas, igrejas, soleira da porta de um casal sem filhos, da porta dalgum lavrador abastado ou remediado ou até do próprio pai, e que, mais tarde (séc. XVIII), começaram a ser deixadas na Roda. Em regra podiam ser expostas na própria freguesia mas nem sempre isso acontecia, como a prudência recomendava, havendo até o caso de pessoas que vinham da vizinha Espanha. Normalmente, o exposto, era deixado com roupas e um bilhete indicando o nome e se já se encontrava baptizado. As roupas, se as levava, seriam, 4 casacos, 4 camisas, 4 cueiros, 4 carapuças, 4 corpetes, 6 baetas e o lenço onde iam embrulhadas. A Roda entregava-os a uma ama que para isso recebia uma subvenção. Coisa pouca, como sempre e mal dava para a alimentação e cuidados. Assim, os expostos raramente ultrapassavam o ano de vida e muito poucos os 5 anos e, mesmo esses, eram muito débeis de saúde.
No Concelho de Idanha-a-Nova, na década de 1820 a 1829, são referenciados 14 expostos e na de 1880 a 1889 há 405 (em Salvaterra do Extremo, os expostos representam 1,3% do total da população)! No ano de 1921, último ano referenciado, há apenas 2. A partir daqui deixou de haver Livro dos Expostos mas continuou o abandono das crianças! No séc. XIX, os filhos eram enjeitados por vários motivos, tais como uniões clandestinas, a suma pobreza dos pais ou pela perversidade destes.
A razão dos expostos deve-se principalmente a que a miséria e a falta de trabalho, fora dos meses da ceifa e debulha era grande e “as pessoas tinham de sujeitar-se”! Assim, as mulheres e moças do povo, não estavam livres das vontades dos senhores das terras, filhos segundos, feitores, lavradores abastados ou padres. Eram, pois, estes os pais dos filhos da miséria. Alguns assumiam, como padrinhos, e não eram só os padres como diz a quadra maliciosa:
Não há fruta como o medronho,
nem lenha como a de azinho,
nem filhos como os do padre,
que chamam ao pai, padrinho.

Sabe-se, por exemplo, que na segunda metade do séc. XIX, em Monsanto, o padrinho mais conhecido era o feitor da casa do Visconde da Graciosa. Em Idanha-a-Velha era o maior proprietário, António Pádua Marrocos e na Zebreira, era o Regedor!

Não deve haver muitas dúvidas quando, hoje em dia, algumas humildes pessoas do povo ostentam nomes declaradamente de nobre e abastada família! São, decerto, o fruto dessa sujeição!

Bibliografia:

António Maria Romeiro Carvalho, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 8, Out.1994

2 comentários:

  1. Olá João,
    Obrigada por este post.
    Tenho conhecimento de uma trisavó que foi exposta na roda, na zona de Sertã, não sei ao certo em que roda foi mas sei que pertence a Castelo Branco. Onde posso encontrar esses registos dos expostos do século XIX? creio que deve ter sido entre 1860 e 1890....
    Muito obrigada desde já,
    Vanessa Pedroso
    (vanessamoreira1982@gmail.com)

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  2. Cara Vanessa,

    Grato pelo seu comentário.

    Aquilo que lhe posso dizer, relativamente ao que me pergunta, é aquilo que o autor do artigo, onde me baseei para o meu "post", diz e que é o seguinte:

    "As Fontes a que se recorreu neste trabalho são os Livros de Expostos do Concelho de Idanha-a-Nova, de 1820-1921, com algumas pequenas faltas, e os Livros de Expostos dos extintos Concelhos de Salvaterra do Extremo, de 1837 a 1854, e do de Monsanto, de 1839 a 1846. Todas estas Fontes manuscritas se encontram no Arquivo Municipal de Idanha-a-Nova."

    Espero que isto responda dalgum modo ao seu pedido.

    Melhores cumprimentos,

    João Celorico




    PS: Relativamente à Sertã, talvez no Arquivo Municipal da Sertã

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