quarta-feira, 30 de maio de 2012

Vamos ... "esticar" navios !


Na verdura dos meus 16 anos, trabalhava eu nas oficinas da AGPL (Administração Geral do Porto de Lisboa) quando um colega de oficina (o Tomé, jogador de futebol no Atlético) me levou a ver, ali ao lado, na doca nº 3 do Estaleiro Naval da CUF, aquilo que seria uma novidade. Um barco de pesca, o “Pargo”, estava a ser acrescentado, segundo um projecto do Eng. Rocheta. Não fazia eu a menor ideia de que, mais tarde, agora já trabalhando no Estaleiro, eu mesmo estaria envolvido em operações semelhantes e sucessivas.

O "Rita Maria" ... antes de !
(retirado de lmcshipsandthesea.blogspot.com) 


Assim, em 1959, assisti ao alongamento do navio “Rita Maria”, da Sociedade Geral. Esse alongamento, penso que de cerca de 8 metros, fez-se para vante do casario, diria mais propriamente entre o casario e o mastro de vante. E, começou por não correr lá muito bem! 


O "Rita Maria", julgo que ... depois de!
Com as cores da SG, como eu gostava de o ver!
(retirado de restosdecoleccao.blogspot.com)




As formas da quilha da proa do navio não permitiam uma grande área de assentamento nos picadeiros, razão pela qual era necessário lastrar e equilibrar muito bem a parte da proa quando ela fosse separada do resto do navio. Trabalho difícil mas, não impossível! Tudo preparado, na doca nº 1, comunicação social, televisão (que já havia) à porta do estaleiro, para constatarem mais um feito da engenharia naval. Porém, quis o destino que, à medida que a doca foi esgotando, a água foi descendo, a proa foi perdendo estabilidade e começou a adornar. Pára tudo e foi um corre corre para que a situação não se tornasse ainda mais crítica. Mandou-se embora a comunicação social, que nem sequer tinha entrado, e tratou-se de resolver a difícil situação. Como era difícil, mas não impossível, com redobrado esforço retomou-se o trabalho e daí a uns dias o “Rita Maria” já estava um bocadinho mais comprido!
Mas as atribulações deste navio não acabaram aqui. Lá crescido estava ele mas, agora, não tinha “força” para o corpo que tinha!
Em 1961, então, entendeu-se acabar o trabalho que se tinha começado em 1959. Pode dizer-se que, levou um “coração” novo mas, todos os seus “orgãos” foram substituídos, incluindo “veias” e “artérias” (as tubagens).
A máquina principal, 2 motores “Atlas Polar Diesel”, foram substituídos por um único motor, “Sulzer”, com uma dimensão tal que quase não cabia na Casa da Máquina. O espaço da Casa da Máquina ficou apinhado de equipamento. Não havendo espaço para lançar uma escada normal, do piso da Caldeirinha para o da Casa da Máquina, teve que se instalar uma escada de caracol (!). O rufo sofria dos mesmos apertos!
E, depois de todas estas atribulações, ficou a andar como previsto, foi transporte de tropas para a Guiné e foi com um aperto no coração que o vi e nem quase reconheci, esventrado e transformado em batelão de transporte de areias do Tejo. Triste fim o dum navio que eu, ainda miúdo, vi nascer, assim como aos seus imãos, “Alfredo da Silva”, “Ana Mafalda” e o mais novo, “Manuel Alfredo”, nas carreiras do  estaleiro Naval da CUF.


O "Hadar" na doca nº1.
Com água na doca, o bloco central ainda flutua e vai-se posicionando.
Passaram 10 anos e eis-me, então, a assistir ao alongamento do navio “Yafo”, o 4º e último da série de navios da ZIM Israel Navigation Co. Os outros foram o “Hadar”, o “Etrog” e o “Eshkol”.

Esta fase de navios israelitas, começada em fins doa anos 60, princípios de 70, destinava-se a aumentar o comprimento dos navios, de 135 para 159 metros, por meio da inclusão de um bloco com 24 metros de comprimento. Esta “onda” de alongamento de navios, veio na sequência do “jumboizing” do “Melusine”, navio mineraleiro francês da UIM (Union Industrielle et Maritime), em Abril de 1969, encomenda que a Lisnave tinha conseguido apesar de ser posta em concurso com 50 outros estaleiros, espalhados pelo Mundo. 

O "Melusine"
Flutuando, a proa e o bloco entram na doca
 .
(retirado de uim.marinefree.fr) 
O "Melusine", já ...  mais crescido!
(retirado de uim.marinefree.fr) 













O “Melusine”, tinha sido construído em 1961, com o comprimento de 141,300m e pretendia-se aumentá-lo para 150,130m. Em 1978, seria vendido e mudaria de nome e em 1982 seria desmantelado, em Ferrol, Espanha!




Plano dum dos cargueiros franceses da "Messageries Maritimes"
A "cirurgia", será efectuada na zona assinalada com um círculo
Seguiu-se uma série, de cinco navios franceses da companhia de navegação “Messageries Maritimes”, cargueiros de longo curso, destinados à linha Europa-Japão.
Estes navios seriam aumentados com um novo porão, com 18,40 m de comprimento.
Os 5 navios eram, a saber, o “Vaucluse”, o “Var”, o “Vienne”, o “Velay” e o “Vanoise”.

O "Vaucluse"
Em plena operação de entrada e posicionamento do novo bloco.

Ao fundo, à esquerda, o "Infante D. Henrique" e, à direita, logo a ré do "Vaucluse", o "Funchal"

O "Vaucluse", ainda em doca, mas já quase prontinho.
Podem ver-se, o "Santa Maria" e, ao longe, 
à esquerda o "Angra do Heroísmo" e, à direita, o "Funchal" 
A toda a operação (porque duma verdadeira operação cirúrgica se tratava) do primeiro destes navios, eu assisti. Aplicou-se nesta série um novo método no processo de ligação do novo bloco. Anteriormente o processo de ligação fazia-se por meio de um sistema de “macho-fêmea”, enquanto a doca ia sendo esgotada. Assim tinhamos uniões, de “facto” e perfeitas uniões. Nestas coisas ainda não estavam, nem estão, autorizadas as “uniões” “macho-macho” ou “fêmea-fêmea”. Nuncam dão resultado! Como eu dizia, o novo processo consistia, sumariamente e não me perdendo em pormenores em, após a lastragem e o conveniente assentamento, fazer a ligação utilizando o deslizamento em cima de duas chapas, entre as quais havia massa consistente previamente espalhada, tornando mais fáceis, a união e o alinhamento pretendidos.

Depois, a soldadura eléctrica, era “derreter” eléctrodos ao longo de toda a união das chapas, do novo bloco, às secções de vante e de ré anteriormente separadas.

E o navio só saía da “mesa” de operações (a doca) depois de, o alinhamento óptico e as radiografias da soldadura revelarem que estava de boa saúde.
No fundo, cirurgia pura!!!

3 comentários:

  1. Caro João Celorico,

    Sinto uma grande nostalgia pelos tempos em que o Tejo fervilhava de actividades marítimas e revolta pela desmaritimização vergonhosa das últimas décadas.
    Tenho lido com gosto os seus post... Apreciei muito a sua viagem virtual no ANGOLA, fiz mais ou menos o mesmo no PÁTRIA, que não ia a Durban... Parece que estou a ver o ANGOLA atracado ao Cais das Carreiras, na Lisnave-Rocha a brilhar acabado de pintar com as cores novas da CNN após a sua última reclassificação já na década de 1970, vazio, com algum caímento a ré. Que bonitos eram esses navios todos.
    Quanto ao autor das fotografias não me admirava nada que tivesse sido a Dª. Maria Teresa Ribeiro da Silva, que conheci muito bem. Repare que eu não digo que N B foi o autor das fotografias, sei muito bem que não, mas como não tenho certeza de nada limito-me a referir como me chegou à mão:

    "Esta belíssima imagem, enviada por Nuno Bartolomeu"...

    Conheci a Dª Maria Teresa na década de 1970 e inclusivé tenho alguns slides originais que me ofereceu...

    PS: Agora vejo de onde vieram as imagens que me enviou o Sr. Nuno Bartolomeu...

    Cumprimentos

    LMC

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    1. Caro Luis Miguel Correia,

      "Problema" completamente esclarecido!
      Eu, cá vou tentando não deixar morrer o passado mas, lá que custa isso custa...
      Passo na Rocha e desvio o olhar e na Margueira, nem para lá eu olho... Neste momento, é tudo arqueologia industrial!
      É sentir a morte daquilo que tanto custou a criar...

      Cumprimentos,

      João Celorico

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  2. É revoltante tudo isto, sim. Em pequeno também passava na 24 de Julho e via os navios nas carreiras de construção... Havia um dístico com o número de dias que faltavam para o lançamento.

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