sábado, 19 de março de 2011

De Salvaterra à Fonte Santa. Um agradável passeio em … 1842 ! ( II )

(continuação)

Pertence o terreno, onde mana a fonte, ao concelho de Idanha-a-Nova. Há tempos veio um proprietário espanhol, cometendo-lhe edificar ele ali, a expensas suas, umas casarias nobres para onde encaminharia as nascentes, ordenando, lá dentro, todas as acomodações, assim para se os banhos tomarem, como para residência dos banhistas; pelo que lhe havia a Câmara de deixar os lucros da empresa por certo prazo de tempo determinado, findo o qual, tudo ele resignava em benefício do concelho. Enjeitado o oferecimento e daqui provinha aquele grande número de barracas e choças que, de longe, me haviam maravilhado e onde os pobres doentes, depois do trabalho de as carretarem ou fazerem, padecem como segunda moléstia, o ficarem sujeitos às intempéries e estreiteza de umas pousadas tão brutas e inóspitas como o sítio, e mais brutas e inóspitas que as de muitas tribos silvestres; no demais, a convivência naquele ermo é vivida e alegre; à uma, porque são muitas, e de mui diversas partes, as pessoas que para ali carregam, atraídas da nomeada de tal remédio; e à outra, porque às esperanças com que chegam, entra logo suceder a melhoria, a olhos visto. Talvez até que o insólito e brutesco da vivenda, dando abalo nos ânimos, e provocando as facécias, não deixe de ajudar o bom humor que por ali reina.
Pesaria isto, na sua alta filosofia, a Câmara de Idanha, quando enjeitou a proposição do castelhano? Mas os sarnentos antes quereriam um pouco menos de idade de oiro parodiada e um pouco mais de albergue aparelhado para resistir aos calores e insectos, ventanias e chuvas desta idade férrea, que vai corroendo.
Olhei para aquilo com tristeza e logo me lembrou que o meu bom amoreiral estava na terra de estrangeiros.
As pedras, por onde os arroios passam, parecem caiadas. A água, ao nascer, vem quente mas, tomada nos copos, logo arrefece e, bebida, não sabe mal; corre sempre com abundância.
Era já posto o sol quando dali, não sem saudades, me apartei para Monfortinho. Perto do povoado vi que atravessava a estrada uma escassa porção de água mas o terreno, molhado para uma e outra parte do caminho, descobria haver por ali passado, há pouco, maior abundância dela. De um passageiro soube, então, que junto a Monfortinho, estava a matriz donde aquele ribeirinho procedia, a qual, com ser vizinha das três outras, não era quente, nem tinha as suas virtudes mas tão particular condão possuía que, na força do dia e quanto mais apertada de calor, mais se desentranhava em águas, afrouxando à proporção que o dia declinava e vindo, de noite, a parar quase de todo ou de todo, pelo menos em certas estações do ano. Fui visitá-la, achei verdadeira a relação em que várias pessoas depois me confirmaram.
Pernoitei em casa de um proprietário de Monfortinho; recavalguei ao alvorecer do dia e, fazendo pelo caminho minhas reflexões acerca do amoreiral, em Castela, e da fonte milagrosa, em Portugal, me recolhi a Salvaterra, donde me tinha afastado duas léguas.

Ricardo Fernando Vidal


Nesta descrição, à luz daquilo que conheço (que não será muito), alguns factos parecem não ficar completamente claros. É como quem diz, “Não dá a bota com a perdigota”!
Assim, parece ficarmos a saber que existiria uma estrada paralela ao ribeiro que, ao que julgo, hoje já não existe. Dizendo que seguiu por um caminho estreito e por terrenos incultos, que repassou o ribeiro e entrou novamente em caminho de pé posto, parece dar a ideia de que o trajecto foi pedestre o que, valha a verdade, junto ao rio, serão bem duas léguas. Em Agosto, não é empresa de somenos!
Parece, pois, que se poderia ir de Salvaterra a Monfortinho, sempre junto ao Erges. Então porque seria que as pessoas, que não utilizavam a estrada nacional, que são cerca de 15 quilómetros, atalhavam por campos e vales em vez de utilizarem esse trajecto?
Porém, no fim da descrição diz que recavalgou ao alvorecer do dia. Fica a dúvida. Foi um passeio a pé ou a cavalo?

Se atravessou a água, porque foi necessário puxar do mapa para se certificar que tinha atravessado a fronteira? Naquele tempo não se sabia que o Erges era a linha de fronteira?

Fala de dois contrabandistas castelhanos armados que por ali passaram. Contrabandistas, durante o dia e armados? Não seriam os “carabineiros”?

Diz que o terreno, onde mana a fonte, pertence ao concelho de Idanha-a-Nova. Seria, mesmo? Que eu saiba, Monfortinho sempre pertenceu a Salvaterra do Extremo e esta ainda foi cabeça de concelho até 1855. Ora, estávamos em 1842!

Por muito que nos custe, talvez tudo isto fique sem resposta pois que, tanto o autor como o redactor, há muito nos deixaram!

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